O lugar por onde a vaca passou
a partir de Prometeu (Rascunhos e Agrilhoado) de Ésquilo
O Teatro GRIOT convidou o coreógrafo João Fiadeiro e o artista visual Francisco Vidal para a criação de um espectáculo que procura o “território do meio, do intervalo e da suspensão..." (João Fiadeiro) como lugar de eleição. Tendo por base a ideia de ruína, de um texto que é o vestígio de uma língua, transmutado pelos copistas, pela tradução, pela química, pelo tempo e pela História, surge O lugar por onde a vaca passou.
Partindo de duas traduções distintas de “Prometeu Agrilhoado” de Ésquilo, especificamente do encontro de Io com Prometeu, o espectáculo propõe uma espécie de meta-diálogo entre traduções (entre tradutores), que se encontram, sobrepondo-se de quando em quando. Trata-se aqui do território do intervalo, da suspensão, onde o espectador tem a sensação de que entrou numa peça em andamento e sem fim.
- Pelo resto dos tempos
- Para sempre ficará entre os mortais
- os mortais contarão histórias acerca desta tua travessia.
- a grande fama da tua travessia.
- Ao lugar chamarão Bósforo
- Dela tirará o nome de Bósforo,
- por tua causa.
- a passagem da vaca.
- O lugar onde passou a vaca.
João Fiadeiro, encenador
Repetição e diferença
No passado já me tinha aventurado pela encenação com as peças “À Espera de Godot” de Samuel Becket; “4´48´´ Psicose” de Sarah Kane; ou “A noite canta os seus cantos” de Jan Fosse (para os Artistas Unidos). Mas estes eram textos contemporâneos e com os quais tinha uma forte relação afetiva com o conteúdo. Em Prometeu, por ser uma encomenda (uma proposta GRIOTesca), essa dimensão afetiva não estava presente e por isso tive que abordar a encenação de outro ângulo. Tive que encontrar o afeto - a força motriz para avançar para este trabalho - noutro lugar. E esse lugar foi a tradução. Ou melhor, o ato de traduzir, de fazer passar uma frase (uma ideia, uma sensação, um conceito) de uma língua para outra. E na sequência, como com tudo faço, aquilo que mais me interessou foi o que se perde na tradução.
Comecei por ler o livro Prometeu-Rascunhos (edições &Etc.) de Jorge Silva Melo que, na verdade, não é uma tradução, mas uma adaptação feita pelos Artistas Unidos para encenar Prometeu Agrilhoado/Libertado em 1997. Comecei por esse trabalho porque na altura colaborei na criação da peça enquanto responsável pelo movimento dos atores e queria perceber se a leitura do texto ativava em mim alguma experiência familiar que me permitisse abordar esta encenação. Em Prometeu-Rascunhos só uma das passagens – o encontro entre Io e Prometeu - tinha sido traduzido diretamente do Grego pelo Jorge e intui que poderia ser por aqui que o trabalho se poderia desdobrar. O que fiz de seguida foi colocar essa tradução ao lado de outras traduções, algumas com mais de 30 anos, e fiquei imediatamente fascinado pelas relações entre repetição e diferença que emergiam no cruzamento das diversas traduções. Por exemplo, a palavra "povo" de uma das traduções, era traduzida por "gente", "raça" ou "quem" nas outras abordagens. Estas nuances e múltiplas perspetivas de um mesmo texto (resultantes não só do facto de estarmos perante diferentes pessoas, mas em distintas épocas), quando sobrepostas, assemelhavam-se a uma partitura coreográfica ou musical que joga com aproximações e afastamentos, contrações e expansões, sincronismos e arritmias. Tinha, sem querer, encontrado o meu afeto. O “quê” da coisa. Faltava o “como”. E o “como” nasce de uma hipótese improvável (única razão para me aventurar na criação seja do que for): e se encenasse diferentes versões do encontro entre Io e Prometeu e as colocasse lado a lado, no mesmo espaço e ao mesmo tempo?
Actores Ana Rosa Mendes, Gio Lourenço, Margarida Bento, Matamba Joaquim
Encenação e conceito do espaço João Fiadeiro
Artista plástico Francisco Vidal
Assistência ao espaço cénico Micael Costa
Engenharia modular Nuno Mega
Design de luz Eduardo Abdala
Técnico de luz Luís Gomes
Figurinos Inês Morgado, Neusa Trovoada
Fotografia Imagerie - Casa de Imagens
Design gráfico Neusa Trovoada
Vídeo teaser Sara Navarro
Produção executiva Urshi Cardoso
ProduçãoTeatro GRIOT
Agradecimentos RE.AL, Artistas Unidos, Jorge Silva Melo
Duração aprox. 50min
M/12